Vá, pensiero – por Milton Bigucci

Vá, pensiero
por Milton Bigucci – 02 de janeiro de 2012

Esta linda música, da ópera Nabucco de Giuseppe Verdi, foi a que mais me emocionou até hoje. Não tem explicação, pois música não se explica, não se descreve, se sente, se ama. Falei com meu amigo, o excelente Maestro Julio Medaglia, que adoro essa música e ele fez a gentileza de mandar-me esta obra prima tocada nas solenidades de 150 anos de unificação da Itália, na Ópera de Roma, em 12 de março de 2011.

“São Paulo, 9 de novembro de 2011

Caro amigo Milton Bigucci, este é um Vá, pensiero especial, pois envolve o corte de verba para a cultura na Itália. O Berlusconi teve que ouvir o discurso antes da música.

Abraços,

Maestro Julio Medaglia”

O DIA EM QUE VERDI DERROTOU BERLUSCONI

No dia 12 de março de 2011 , Silvio Berlusconi teve que enfrentar a realidade. A Itália festejava o 150º aniversário de sua unificação e, entre as muitas comemorações da importante data, uma se deu na Ópera de Roma, com a apresentação da obra “Nabucco”, de Giuseppi Verdi, dirigida pelo maestro Ricardo Muti.

Antes da apresentação, Gianni Alemanno, prefeito de Roma, subiu ao cenário para pronunciar um discurso denunciando os cortes no orçamento federal dirigido à cultura que haviam sido feitos pelo governo, do qual o próprio Alemanno é membro e velho amigo de Berlusconi. Esta intervenção política em um momento cultural dos mais simbólicos para a Itália produziria um efeito inesperado, ao qual Berlusconi, em pessoa, foi obrigado a assistir.

Segundo relatado por Ricardo Muti, “…A princípio houve uma grande salva de palmas pelo público. Logo começamos com a ópera. Tudo correu muito bem até que chegamos ao famoso canto Vá, pensiero. Imediatamente senti que a atmosfera entre o público ia se tornando mais e mais tensa. Existem coisas que não se consegue descrever, mas as sentimos. Era o silêncio profundo que se fazia sentir! Mas, no momento em que o público percebeu que começavam os primeiros acordes de Vá, pensiero, o silêncio se transformou em verdadeiro fervor. Podia-se sentir a reação visceral dos presentes ante ao lamento dos escravos que cantam Ó pátria minha, tão bela e perdida… Assim que o coro chegou ao fim, pudemos ouvir vários pedidos de bis. Começaram os gritos de Viva Itália e Viva Verdi. As pessoas nas galerias jogavam pequenos papéis escritos com mensagens patrióticas”.

Apenas uma única vez Muti havia aceitado fazer um bis de Vá, pensiero, em uma apresentação no La Scala de Milão em 1986, já a peça exige que seja executada do princípio ao fim, sem interrupções. “Eu não pensava em fazer apenas um bis”, disse o maestro, “teria que haver uma intenção especial para fazê-lo”, contou. Então, em um gesto teatral, Muti se voltou ao público – e a Berlusconi – e disse: “Logo que cessaram os gritos de bis, vocês começaram a gritar Longa Vida à Itália. Sim, estou de acordo com isto: Larga vida à Itália. Mas… Já não tenho trinta anos e vivi minha vida. Rodei o mundo e, hoje, tenho vergonha do que acontece em meu país. Por isso, vou aceitar seus pedidos para apresentar Vá, pensiero novamente. Não só pela alegria patriótica que sinto neste momento, mas sim, porque enquanto dirigia o coro que cantou Ai meu país belo e perdido pensei que, se continuarmos assim, vamos matar a cultura sobre a qual erguemos a história da Itália. E, nesse caso, nossa pátria também estaria bela e perdida. Durante anos mantive minha boca fechada mas agora, creio que precisaríamos dar sentido a este canto: estamos na nossa casa, o Teatro de Roma, com o coro que cantou magnificamente bem e com a orquestra que o acompanhou esplendidamente. Se quiserem, proponho a vocês que se unam a nós para que cantemos todos juntos”.

Assim, o maestro convidou o público a cantar junto com o coro dos escravos. Muti continua sua narrativa: “Vi grupos de gente levantar-se. Toda a Ópera de Roma se levantou. E o coro também. Foi um momento mágico! Essa noite não foi apenas mais uma representação de Nabucco, mas, também, uma declaração no Teatro da Capital italiana para chamar a atenção dos políticos”.

Em um passeio pela Itália em 2007, estávamos eu e a Sueli, minha esposa, na cidade de Verona, de passagem, quando vimos um cartaz anunciando a peça Nabucco a ser apresentada na Arena di Verona, daí a 3 dias.

Não tivemos dúvida, no que era para ser apenas uma passagem, ficamos 3 dias aguardando a ópera. Na noite da peça choveu e ela não seria apresentada. Ficamos na platéia da arena por 3 horas aguardando passar a chuva, rezando para parar, pois com ela não haveria a ópera. Quase às 23 horas parou e a peça foi apresentada. Um show, um espetáculo. Valeu à pena. Quando o coral cantou Vá, pensiero, valeu pela viagem toda. Você que nunca ouviu este clássico, ouça-o e se deleite.

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