São Paulo: uma cidade acolhedora!

Conheça as histórias de Milton Bigucci, 77 anos

Um paulistano de nascimento, de coração, de futebol e de construção

 

“Sou descendente de italianos da Região da Emilia Romagna.

Meu pai, Roberto Scarpelli Amedeo Bigucci (o Tatá), e minha mãe, Trindad Marin Bigucci (a Lica), eram de origem muito humilde. Casaram-se em 1940 e fixaram residência em uma casa alugada na Rua das Municipalidades, 449, Vila Carioca – Bairro do Ipiranga, em São Paulo. Foi lá, em 19 de dezembro de 1941, no meio da 2ª Guerra Mundial, que eu nasci. A Vila Carioca era um bairro bem humilde.

Em 1943 nos mudamos para outra casa alugada, na Rua Tabajaras, na Mooca, onde nasceu (em 10 de dezembro do mesmo ano) minha única irmã, Célia. Meu pai era operário, carpinteiro em uma empresa alemã chamada Bremensis, lá montava e desmontava caixas de madeira para embalar máquinas industriais.

Em 1946, mudamos para uma pequena casa própria, semiacabada, na periferia da cidade, à Rua Guaperoba, 29, no Alto do Ipiranga, que meu pai estava construindo. Lembro quando tombou um caminhão no antigo “Tanque da Pólvora” (onde hoje está localizada a av. Tancredo Neves, esquina com Rua Vergueiro) e meu pai levou o resto de madeira abandonada do caminhão para a nossa casa para fazer o forro do quarto. Foi uma grande alegria para a família, pois fazia muito frio na época. Em 1947 mudamos para o número 208, da mesma rua (Guaperoba), em uma casa um pouco melhor.

Eu e minha irmã Célia ficávamos no portão todo final de tarde, contando os minutos para o meu pai chegar. Era a alegria de ver o pai chegando para ganharmos um abraço.

Em 1949, aos 7 anos, entrei no curso primário público no Grupo Escolar Alcântara Machado, na Av. do Cursino, 338 – também no Alto do Ipiranga – SP, distante dois quilômetros de casa. Ia sozinho a pé. Hoje lá é o MAESP (Movimento de Assistência aos Encarcerados do Estado de São Paulo), entidade beneficente que abriga crianças, filhos de pais encarcerados.

Nesta época minha mãe ajudava meu pai no sustento da família, costurando gravatas e cuecas de uma loja no Parque Dom Pedro. À noite, eu, meu pai e minha irmã também ajudávamos minha mãe desvirando as roupas do avesso para minha mãe passar a ferro, a carvão, não havia luz elétrica. No dia seguinte eu entregava as gravatas na loja. Lembro que minha mãe me dava o valor da passagem do ônibus e um pouco a mais para eu comprar uma pera em uma barraca de frutas no Parque Dom Pedro. Gosto de pera até hoje. Éramos muito pobres e sempre fomos felizes.

Não havia água encanada em nossa casa. Tínhamos um poço de 18 metros de profundidade, com um sarilho de madeira, para tirar a água em latas de 20 litros. O chuveiro, que o meu pai fabricou, era um balde para 20 litros de água, com um registro e um crivo. Esquentava-se a água no fogo a lenha, no chão. O balde era içado e estava pronta a água para o banho. Só de sábado.

Em 1951, tive um momento muito triste, quando a minha avó materna, Trindad, morreu (com 52 anos). Na época voltamos a morar em sua casa na Rua das Municipalidades, Vila Carioca – SP, para ajudar a minha mãe a cuidar dos meus tios solteiros, Eduardo, Silvério e Nininho, e de meu avô José Marin Munhoz. Continuei estudando no Alto do Ipiranga (G. E. Alcântara Machado).

Ia a pé tomar o bonde no Bairro do Sacomã-SP chamado “Fábrica”, que ia pela Rua Silva Bueno. Quando chegava na Rua General Lecor eu descia e de lá continuava a pé até a Vila Carioca. Lembro que eram aqueles bondes abertos, com estribo lateral externo, e quando chegava a Rua General Lecor, eu e meus amigos, pulávamos com o bonde andando para não pagar a passagem. Além da falta de dinheiro, era malandragem de criança mesmo.

Aos 9 anos, trabalhei no consultório de uma dentista, na Rua Vergueiro, 7.693, no Alto do Ipiranga, varrendo e limpando o lugar. Trabalhei lá apenas um mês, pois um dia antes dela pagar o meu 1º salário da vida e o aluguel do seu consultório, ela se mudou à noite. Fugiu. Foi uma grande decepção para mim. Não recebi meu primeiro salário.

 

 

O trabalho logo cedo

 

Em 1952, nos mudamos para a Rua Professora Edméia Attab, 232 (antiga Rua Ana Maria), em São João Clímaco, onde meus pais construíram uma casinha. Curiosidade: lembro do raio que caiu em nossa casa, sobre um viveiro de passarinhos (Pixoxó, Papa-Capim, Canário da Terra) que eu criava. Matou alguns e outros voaram. Nunca mais criei passarinhos.

Em 12 de janeiro de 1953, definitivamente comecei a trabalhar, com registro em carteira e tudo. Isso aos 11 anos de idade. Trabalhava para pagar o curso médio escolar (Curso Básico) da Escola Técnica de Comércio Modelo, na Via Anchieta, 1.377. Era normal na época começar a trabalhar cedo. Em 12 de janeiro de 2019 fiz 66 anos de registro em carteira (vide foto).

Eu era auxiliar de balconista na Casa Freire, na Rua Lino Coutinho, nº 2.082 – Sacomã, balão do bonde “Fábrica”. O dono da loja de ferragens e ferramentas, Nelson Freire era um senhor muito bonzinho, amigo meu, infelizmente falecido em janeiro de 2013.

Lembro de um episódio que ocorreu na semana em que comecei a trabalhar, quando eu estava carregando uma escada e sem querer bati com ela em uma peça cara de um conjunto de jantar de louça inglesa. Quebrou. Achei que seria demitido na hora pelo prejuízo causado, mas o senhor Nelson Freire compreendeu meu desespero e minha necessidade pelo emprego e me manteve na loja.

Aos sábados à tarde, após o fechamento da loja, também carregava sacos de tinta em pó do depósito para o estoque do balcão para ganhar uns trocados para a matinê do cinema no domingo, em São João Clímaco. Cheguei a vender gibi na porta do cinema algumas vezes para ganhar mais alguns trocados.

Depois que voltamos a morar no Alto do Ipiranga, ia a pé de casa até a Casa Freire, pela Rua Lúcia (de terra). O problema era que quando chovia o sapato furado e o jornal colocado no furo encharcavam, e mais entrava água e barro do que protegia. Nem por isso pegava qualquer gripe.

Trabalhei como balconista na Casa Freire por 3 anos.

Em 15 de maio de 1956, com 14 anos, comecei a trabalhar na Linhas Corrente S.A., empresa escocesa, na Rua do Manifesto, 705 – Ipiranga (SP), ganhando CR$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros) como office-boy, emprego conseguido por meio do meu tio Wilson Nacaratti, que lá trabalhava. Nessa época eu continuava cursando o Básico, na Escola Técnica de Comércio Modelo, dirigida pelo professor Nilo Campos e Lineu de Paula Brito. Consegui estudar lá durante sete anos (Básico e Técnico de Contabilidade) porque era dado um prêmio ao melhor aluno da sala e quem fosse o melhor no ano não pagava o ano seguinte. Não paguei durante alguns anos. Não todos.

Meus pais sempre me incentivaram a estudar. Trabalhava de dia (período integral) e estudava à noite, do básico à faculdade.

Em 1º de setembro de 1956, fui promovido a arquivista de Contabilidade na Linhas Corrente. Lá tive a ajuda de um colega de trabalho, o Jurandir Jr. (filho do ex-goleiro do Palmeiras, Jurandir), que me ajudava a conferir as contas da produção das linhas de costura dizendo-me a cor de cada uma, já que sou daltônico. Cada cor representava um valor para pagar as moças que produziam. Não podia errar.

Íamos retirar o dinheiro do Banco do Brasil na Rua Silva Bueno (a 100 metros), a pé, com malotes, para pagar as moças da produção. Sem qualquer segurança. Já na fábrica colocavam-se as centenas de notas de cruzeiros em um carrinho de madeira, aberto e manual, entrava-se nos corredores das seções e se pagava com dinheiro vivo. Imagine a pureza. Era outra época, não precisava ter preocupação, nunca houve roubo. Trabalhei nesta empresa por quatro anos, quando pedi demissão.

Em 1956, mudamos de volta para a Rua Guaperoba, 208.

Em 1960, fiz um curso de datilografia no Sacomã-SP com a professora Hortência. Tenho até diploma. Na época, vejam vocês, tudo era importante. Hoje isso parece piada.

 

O início na Construção Civil

 

Em 1961, quando cursava o último ano de Contabilidade na escola Modelo, na Via Anchieta, apareceram os engenheiros: dr. Enio Monte e o dr. Szymon Golbfarb, procurando um jovem para trabalhar na contabilidade da sua construtora. No dia seguinte me apresentei, fiz o teste e passei. Depois descobri que fui o único a me apresentar para o teste. Comecei a trabalhar como auxiliar de escritório no dia 19 de maio de 1961 na Construtora Itapuã, que na época se chamava Ipê Engenharia Ltda, localizada na Rua Costa Aguiar, 1.761. Em 1962, formei-me professor de Contabilidade Geral no Mackenzie. Embora nunca lecionei.

Em 1968, me formei na Faculdade de Direito da USP, Largo São Francisco, turma na qual se destacou o amigo, ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sidnei Beneti, que sempre primou por sua humildade e inteligência. Diferente dele, não exerci o Direito, meu tino estava mesmo na construção.

Quando ingressei na construção civil eu tinha 19 anos de idade e nem imaginaria que seria nesta área que construiria minha família e minha própria construtora. Após passagens também pelas empresas Mercedes Benz e Molas C. Fabrini, trabalhei por mais de 20 anos na construtora Itapuã, de onde saí para fundar a empresa MBigucci, hoje com 35 anos de atuação.

Detalhe, paralelo a todas essas histórias que contei, sempre fui um apaixonado por futebol, sempre joguei como amador e algumas vezes também com craques profissionais do futebol. Sou são-paulino roxo desde que nasci. Não é à toa que as cores da empresa que fundei, a MBigucci, são tricolor (vermelha, preta e branca). Até escrevi o livro: “7 Décadas de Futebol”, além de outros cinco com temas sociais (“Caminhos para o Desenvolvimento”, “Somos Todos Responsáveis – Crônicas de um Brasil Carente”, “Construindo uma Sociedade mais Justa”, “Em Busca da Justiça Social”, “50 anos na Construção”) mas essa é uma outra longa história.

Voltando à construção, foi trabalhando neste setor que conheci minha esposa, Sueli Pioli Bigucci. Casamos em 1969 e no dia 3 de maio de 2019, completamos bodas de ouro. Temos 4 filhos, Roberta, Milton Junior, Marcos e Marcelo, que junto com dois sobrinhos, Robson e Rubens, nos ajudaram a construir a MBigucci, uma empresa familiar. Todos entraram meninos como office boy/girl na MBigucci e hoje são nossos diretores. Graças a Deus temos uma empresa sólida e séria, de médio porte. Já construímos mais de 10 mil unidades, onde moram cerca de 30 mil pessoas, mais que a população de muitas cidades brasileiras.

Seguimos em frente, trabalhando muito e ajudando a construir os sonhos de milhares de novas famílias paulistanas, assim como construímos a nossa Família Bigucci.”

 

 

 

 

MILTON BIGUCCI – é presidente da construtora MBigucci, presidente do Conselho Deliberativo da Associação dos Construtores do Grande ABC, membro do Conselho Consultivo Nato do Secovi-SP e do Conselho Industrial do CIESP, conselheiro vitalício da Associação Comercial de São Paulo e conselheiro nato do Clube Atlético Ypiranga (CAY). Autor dos livros “Caminhos para o Desenvolvimento”, “Somos Todos Responsáveis – Crônicas de um Brasil Carente”, “Construindo uma Sociedade mais Justa”, “Em Busca da Justiça Social”, “50 anos na Construção” e “7 Décadas de Futebol”, e membro da Academia de Letras da Grande São Paulo, cadeira nº 5.

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