Entrevista para a Revista da CAASP

“Nós temos que modernizar as cidades, e para tanto precisamos primeiro modernizar a cabeça das pessoas. Como se busca a modernização de uma cidade, de um estado, de um país? Com cabeças não utópicas, mas em acordo com a realidade do mundo. Se o Brasil quiser se desenvolver, dar emprego para todo mundo e trazer capital para cá, precisa desburocratizar. Eu deveria demorar 15 dias para aprovar um projeto, não um ano.”

As palavras acima deveriam estar na boca de todo empresário cujo objetivo seja produzir e gerar empregos. Seu autor é Milton Bigucci, cuja construtora há 36 anos ergue moradias em São Paulo, principalmente na região do ABC.

Membro  nato  do  Conselho  do  Secovi-SP  e  integrante  do  Conselho  Industrial  do  Ciesp,  Bigucci é  daquelas  pessoas  que  enxergam  o  sucesso  como  decorrência  do  trabalho.  Otimista  com  a economia, não deixa de apontar as idiossincrasias nativas: “O financiamento popular está restrito à Caixa Econômica Federal e ao Banco do Brasil. Deveria ser exigido dos bancos particulares que também financiassem a moradia popular”.

Empreendedor social ativo, pai de quatro filhos e avô de 12 netos, Milton Bigucci é autor de seis livros, entre os quais “Caminhos para o Desenvolvimento”, “Somos Todos Responsáveis – Crônicas de um Brasil Carente” e “7 Décadas de Futebol”.

Ao editor da Revista da CAASP, Paulo Henrique Arantes, esse apaixonado pelo esporte e pelo

São Paulo Futebol Clube concedeu a entrevista a seguir.

[ Revista da CAASP ] – Os indicadores mostram a economia andando de lado, sem sinal de crescimento consistente. O que o senhor espera para 2020?

[Milton Bigucci] – A vida inteira, sempre fui otimista, desde que com base em dados sólidos. Se eu não fosse otimista, nós – eu e minha empresa – não teríamos passado por esta crise que durou praticamente quatro ou cinco anos.

Eu acho que nós já estamos saindo da crise, principalmente no meu ramo, de construção civil. A gente sente no dia a dia que a economia está melhorando. Ela estava dependendo muito da confiança da população, e essa confiança está vindo. Temos sentido isso principalmente

nos plantões de venda, onde temos percebido um interesse maior das pessoas para poder adquirir o seu imóvel, seja para moradia, seja para sala comercial ou para investimento.

Eu digo diariamente aos meus amigos: a hora de comprar é agora. É como a Bolsa de Valores: não adianta comprar ações na alta, você tem que comprar na baixa e esperar a lucratividade. Eu acho que o preço do imóvel nunca esteve tão baixo como agora, e isso facilita a negociação. Você conhece a rentabilidade ao longo de anos, não pode ser ao longo de meses.

O que o setor de construção civil aprendeu com esta última crise?

Primeiro,  o  grande  problema  que  enfrentamos  foi  questão  dos  distratos.  A  construção civil  não  estava  preparada  para  isto:  a  gente  lançava  um  empreendimento,  vendia  o empreendimento,  construía  o  empreendimento  e,  depois,  no  final,  o  cidadão  falava  para nós: “eu não quero mais brincar”. Quer dizer, contratos não tinham validade alguma.

Agora, com a nova lei, que foi editada pelo (então presidente da República, Michel) Temer no final de 2018, foram dadas normas. Então, você pode desistir, mas perderá xis por cento, não fica ao arbítrio de cada juiz. A insegurança jurídica era o principal problema para mim: eu vendia, mas não vendia.   Não tinha lei, cada juiz julgava a seu modo, uma insegurança jurídica total.

A questão da moradia é um dos mais graves e crônicos problemas do Brasil. O setor de construção civil, além de ter potencial para resolver o problema, é importante gerador de empregos. A construção civil não merece uma atenção maior por parte do governo?

Quando a construção civil pede para aumentar a capacidade construtiva de um determinado terreno, a primeira coisa que a gente ouve falar é que se trata de especulação imobiliária. Ora, não há um incentivo para as empresas automobilísticas? A moradia é uma necessidade básica, como é a alimentação, como é a saúde, como é a educação. É dada maior atenção aos carros do que à construção civil, e tem mais de 7 milhões de pessoas que dependem de moradia e não têm moradia própria.

Eu  acho  que  o  setor  mereceria  uma  atenção  maior.  Agora  estão  mexendo  no  Fundo de Garantia. Não podemos esquecer de que o Fundo de Garantia origina recursos para a construção civil. Espero que essa liberação de parcela do Fundo de Garantia não tenha grande impacto para o setor. O dinheiro do Minha Casa Minha Vida,de  habitação  popular,  por  exemplo,  sai  principalmente  do FGTS.

Que peso têm para o setor programas como o Minha Casa Minha Vida?

O Minha Casa Minha Vida é fundamental para a construção de habitações populares. Se ele deixar de existir, precisarão ser  criadas  novas  origens  de  financiamento.  Os  bancos particulares não têm financiamento popular – o que eu acho um  absurdo  também,  isso  está  restrito  à  Caixa  Econômica Federal e ao Banco do Brasil. Deveria ser exigido dos bancos particulares que financiassem também a moradia popular.

Me  parece  que  o  financiamento  habitacional  a  cargo exclusivo dos bancos públicos foi aos poucos se enraizando no país, não?

E  hoje  só  Caixa  Econômica  Federal  e  Banco  do  Brasil financiam habitação popular. Se houver escassez de recursos no  Fundo  de  Garantia,  quem  vai  sofrer  as  consequências será a habitação popular.

A nova linha de financiamento da Caixa Econômica (lançada em setembro de 2019), vinculada ao IPCA em vez da TR, me parece ser salutar, e com uma vantagem: é opção do cliente. Ele é quem vai dizer se prefere o sistema antigo ou o novo.

Eu  acho  excelente  o  sistema  pelo  IPCA  numa  radiografia  de  hoje,  o  risco  é  se  ocorrer uma inflação descontrolada. Se você tiver um financiamento de 30 anos, como é que fica se houver uma inflação descontrolada no meio do caminho?

Vem aí uma reforma tributária. O que o setor de construção civil espera?

O (presidente Donald) Trump, nos Estados Unidos, baixou a tributação das empresas de

35% para 21%. Aqui, a tributação é muito grande, gira em torno de 34% nas empresas. Esse

encarecimento cai em cima do consumidor final, é ele que paga a conta.

Se você viaja para fora do país, vê prédios de 80 andares em cidades desenvolvidas. Aqui no Brasil, as leis são limitadoras, limitam o seu terreno a um prédio de no máximo 12 andares, por exemplo, a depender do município. Se você tiver um incentivo para construir 80 andares, por  que  vai  construir  12?  Eu divido  o  custo  do  terreno  por 12   andares   quando   poderia dividir    por    80    andares.    O beneficiário seria o comprador do imóvel. Os     legisladores     pensam que,  construindo  80  andares, prejudica-se    o    trânsito    no local. Ora, isso é um problema do legislador, de acomodação, de   incompetência   dele.   Ele joga para cima da especulação imobiliária.     Por     que     não se      fala      em      especulação automobilística?

E quanto à questão tributária?

É preciso que haja incentivos principalmente para a produção popular, que é onde existe o maior déficit habitacional.

O senhor constrói principalmente para as classes média e popular. O pobre brasileiro é bom pagador?

O pobre é o melhor pagador, eu não tenho dúvida disso. Eu não sei como é nos bancos, mas nas nossas carteiras os mais pobres são os mais sérios. O que o pobre fala, vale.

Nós já entregamos mais de 400 empreendimentos. Cada prédio que a gente faz, a gente vai lá entregá-lo para o condomínio. E vão todos os compradores, aqueles que compraram enquanto a obra ainda estava no chão. Você não consegue imaginar a alegria das famílias. Eu olho nos olhos deles na hora de fazer o discurso de entrega do imóvel e vejo a alegria estampada no rosto. É a conquista da vida deles.

O  que  a  reforma  trabalhista  significou  para  o  setor?  Qual  modelo  de  contratação prevalece na construção civil?

A reforma trabalhista foi importantíssima para a mão de obra, seja a mais ou a menos qualificada. Nestes dias, saiu num jornal que o número de processos trabalhistas pendentes foi reduzido a menos de mil, e antes eram milhares e milhares.

Antigamente  o  trabalhador  entrava  com  ação  e  não  gastava  nada,  o  advogado  que  ele contratava  era  no  risco.  Pedia-se  aquilo  a  que  se  tinha  e  a  que  não  se  tinha  direito,  não custava nada. Na reforma trabalhista colocou-se que a sucumbência, se ele perder, é dele – essa foi a grande arma da reforma trabalhista.

Mas isso é bom para o trabalhador?

Eu acho ótimo, porque ele não vai ficar na expectativa de algo que ele não terá chance de ganhar, ou que vai ficar anos esperando, atravancando o custo público.

Como costumam ser contratados os trabalhadores da construção civil?

Normalmente, CLT.

A mão de obra da construção civil no Brasil é de boa qualidade?

Hoje,  é  totalmente  diferente  do  que  era  há  20 anos.  Atualmente,  a  mão  de  obra  é  muito  mais exigida quando à qualidade.   Antigamente, a gente tinha  um  engenheiro,  um  mestre  de  obras  e  um apontador. Hoje, temos um engenheiro, um mestre de  obras,  um  apontador  e  fiscais  de  qualidade. É  tudo  muito  mais  aprimorado.  Quando  a  gente entrega um prédio, é feita uma vistoria do prédio e uma vistoria individual de cada um que comprou um apartamento.

O  setor,  hoje,  está  obrigado  a  atuar  mediante rigorosos cuidados ambientais, não?

Sim. Isso segura bastante o ritmo da construção, porque  você  depende  de  órgãos  públicos  que  vão analisar cada local, cada terreno em que você vai construir. E eles te dão os laudos. É tudo muito importante, mas tinha que ser menos burocrático, porque tudo isso representa custo que cai em cima do comprador final.

O   Brasil   tem   que   acabar   com   a burocracia  pública.  É  o  órgão  público que emperra a máquina, e isso tem um custo violento em toda essa máquina.

O   que   o   senhor   acha   do   plano urbanístico  em  vigor  na  Capital  e  na Grande São Paulo? Há um novo plano sendo  elaborado,  o  PDUI  –  Plano  de Desenvolvimento Urbano Integrado. O que o senhor acha dele?

Vejo  com  bons  olhos.  Nós  temos que   modernizar   as   cidades,   e   para tanto precisamos primeiro modernizar a cabeça das pessoas. Como se busca a  modernização  de  uma  cidade,  de um estado, de um país? Com cabeças não  utópicas,  mas  em  acordo  com  a realidade do mundo. Se o Brasil quiser se desenvolver, dar emprego para todo mundo e trazer capital para cá, precisa desburocratizar.  Eu  deveria  demorar 15  dias  para  aprovar  um  projeto,  não um ano.

O que o PDUI contempla, exatamente?

Ele contempla a modernização.

E o que é modernizar?

Para mim, é trazer transportes públicos, coletivos, que possam agilizar a cidade. Metrô! O Brasil está atrasadíssimo em matéria de Metrô, nós deveríamos ter milhares de quilômetros de  Metrô  espalhados,  principalmente  na  Grande  São  Paulo.  Por  que  o  Metrô  não  vai  até Osasco? Por que o Metrô não vai até São Bernardo do Campo?

Não tem dinheiro? Então vamos ver onde está o dinheiro. O Metrô, hoje, é tão importante para  as  cidades  quando  as  redes  ferroviárias  para  o desenvolvimento do Brasil. É um absurdo um país com as nossas dimensões não ter redes ferroviárias cortando seu território.

O senhor ainda joga futebol?

O que eu mais gosto na vida é de jogar bola. Tenho 77 anos e jogo duas vezes por semana – é sagrado.  A bola me mantém ativo de corpo e mente. Sou são-paulino.

O  senhor  não  achava  mais  empolgante  quando  os nossos craques permaneciam no clube, identificando- se com o time?

Pois é. Hoje, não sabemos nem o nome dos jogadores do time para o qual torcemos…

fonte: Revista da CAASP ed. 42 / nov 2019 a jan2020

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